Por José Fernandes Costa
– jfc.costa15@gmail.com
No dia 3 deste mês, li no Blogue de Roberto Almeida,
breve crônica sobre a tragédia que ocorreu em Garanhuns, no ano de 1917. A
alguém pode parecer estranho que o juiz Abreu e Lima e o tenente Meira Lima, em
vez de contribuírem pra evitar o mal maior, tenham colaborado fortemente com
aquela matança.
Para mim, isso não constitui estranheza. Passei meus primeiros
anos de vida na divisa de Alagoas e Pernambuco. Do lado de cá, Bom Conselho; do
lado de lá, Palmeira dos Índios. Sempre acompanhei a história do banditismo dos
“coronéis” nesses dois estados da federação.
Naquela ocasião (3.2.2018), eu fiz um comentário pela
tangente. De propósito, desviei o assunto para o tiroteio da Assembleia
Legislativa de Alagoas, ocorrido em 1957, o que não tem nada a ver com a
carnificina feita em Garanhuns.
Voltemos ao que parece estranho, mas não é: como pode o juiz de
direito e o responsável pela segurança pública do município, endossarem o plano
macabro dos bandidos matadores?! Estes, usando ardis calculados, trancafiaram
seus adversários na cadeia pública da cidade. E, a seguir, invadiram
aquele presídio e trucidaram cerca de 20 pessoas, incluindo policiais que
cumpriam suas obrigações. – Antes, porém, os tais bandidos trataram de retirar
os armamentos que poderiam ser usados por policiais que, no cumprimento do
dever legal, tentariam evitar a matança impiedosa.
A análise pode não ser simples, mas temos de partir de certa
lógica. – Houve um “coronel” assassinado por um capitão que havia sido surrado
na via pública. O capitão fora surrado, para que o povo de Garanhuns e
adjacências ficasse sabendo que a família do “coronel” era valente. E que ali
quem mandava, desmandava, casava e batizava era a família do dito “coronel”.
Não dá para descrever a imensa humilhação sofrida pelo capitão
Sales Vila Nova. Foi desmoralizado para todo mundo ver e saber. Com
que cara o capitão Sales iria se apresentar aos seus familiares? Como chegar e
olhar de frente para quaisquer pessoas, de sua família ou não? – Assim, só
restou ao capitão Sales Vila Nova matar o “coronel” da família dos tranca-ruas.
– Sales já havia avisado que, se fosse surrado, mataria o “coronel”. – Havia
alguma dúvida para os parentes do “coronel” de que fora o capitão Sales que
cometera o assassinato em Recife, por sua conta e risco? – Se dúvida havia, é
porque a ignorância da família “valente” era tanta que deixou todos mais cegos
do que já eram.
Com aquela morte em Recife, houve a primeira viúva. E esta tinha
ódio e maldade dentro do peito pra distribuir com quem ela quisesse. – Então, a
primeira viúva ordenou aos seus parentes que reunissem os pistoleiros da região
e viessem pra Garanhuns. E tomassem conta da cidade, criminosamente. Cerca de
100 bandidos armados até os dentes passaram a agredir pessoas que não fossem do
agrado deles! – E, a partir de então, foi gestado o plano macabro, dentro da
casa da primeira viúva. – Doravante, essa viúva será chamada só pela alcunha
de primeira viúva.
Naquele complô, na casa da primeira viúva estavam o juiz e o
tenente (este também delegado de polícia); ambos deveriam servir ao
povo de Garanhuns. Porém, ao não fazê-lo, nada disso causa estranheza. É e
sempre foi comum nas cidades onde imperam os currais eleitorais, as
“autoridades” tomarem partido, por mera simpatia com certos chefetes políticos.
– Então, naquele momento, foram postas as cartas na mesa. Tendo em vista o
ambiente de guerra declarada, o juiz e o tenente se engajaram de corpo e alma
no plano mortal da família da primeira viúva.
Assim, o plano deu os resultados que a primeira viúva e
seus apaniguados quiseram. Depois de executados os homens odiados pela primeira
viúva, esta fez a comemoração na sua residência, com bebedeiras, risos e
alegria esfuziante, segundo foi noticiado. – Tanto ódio, tanta
frieza, tanta insensibilidade, talvez tenha sido isso que fez a primeira viúva
viver quase 100 anos.
A pergunta que fica no ar é: por que a primeira viúva não foi
condenada, já que tudo ocorreu por ordem dela, dentro de sua casa?! Se ela foi
a julgamento, como não ser condenada?! Isso é muito mais estranho do que a
participação das “autoridades” na chacina. – Já a absolvição de Sales Vila Nova
encontrou amparo legal, a meu ver. Visto que o Código Penal prevê “os crimes
contra a honra”. E entre estes está:
“Se a injúria consiste em violência ou via de fato, que, por sua
natureza ou pelo meio empregado, consideram-se aviltantes as ofensas.” (CP: art.
140, § 2º.)
O Código Penal de 1941 estabelece esse crime. É óbvio que, com
muito mais razão, os códigos vigentes em 1917 também estipulavam tal crime. – E
por ter sido surrado, o capitão Sales Vila Nova foi atingido em sua honra;
tendo sido humilhado de maneira aviltante. Daí, sua absolvição!
2. Pessoas alimentadas pelo mal, juntam-se aos maus e se deleitam
com a prática da desgraça. – Para os agentes do mal, nada melhor para eles do
que uma carnificina em letras garrafais. Foi o que ocorreu em Garanhuns,
naquele 15 da janeiro de 1917. – Ademais, os bandidos valentões
agrediram mulheres: as filhas e a esposa de Manoel Jardim. Isso foi
covardia imperdoável.
Li, em algumas publicações, que o “coronel” assassinado “iria
despontar como ‘liderança”’ da região do Agreste. – Quem entende alguma coisa
de recursos humanos sabe o que é ser líder e exercer liderança. Ninguém é líder
com um chicote na mão, para açoitar os seus “liderados”. – Com um relho na mão,
o sujeito só pode ser algoz periculoso. Será só chefe de bandos e quadrilhas.
Jamais será líder de uma comunidade.
Ser líder requer capacidade pra liderar; e é necessário que haja
aceitação das suas opiniões por parte dos liderados. Opiniões não são ordens! –
Essas condições faltam a quem usa o porrete e a espingarda pra resolver
conflitos. Que não se confunda capitão do mato com líder. A diferença é tão
grande, como gritante foi a estupidez dos que mataram, covardemente, mais de 20
pessoas. A tremenda estupidez deu lugar ao massacre sangrento, coisa que o povo
de Garanhuns nunca mereceu.
Antes de ser morto, o “coronel”, disfarçado de “fidalgo”, já
acumulava nos ombros, alguns crimes: lesão corporal dolosa contra o capitão
Sales Vila Nova (coautoria); grave ameaça ao capitão Vila Nova; e injúria
aviltante imposta ao próprio capitão, conforme destacado mais acima. – Todos
esses crimes estão no nosso Código Penal. – Eis as sobejas razões que Sales
Vila Nova teve pra matar o “coronel” dos valentões, em lugar público na capital
do Estado. – Essa é minha opinião, ainda que alguém discorde.
E nem tento entender por que o
juiz de direito e o chefe de polícia de Garanhuns passaram a cumprir as ordens
da primeira viúva e dos seus asseclas, em vez de cumprirem as leis vigentes. –
Isso é tão vulgar que se torna irrelevante, para mim. – É ISSO! /.
*Na foto histórica do Diário de Pernambuco, algumas viúvas e órfãos da Hecatombe de Garanhuns.
ERRATA - Leia-se: "... violência ou 'vias' de fato... "!! - ObrigadOOO !!
ResponderExcluirIsso é Brasil.
ResponderExcluirPor isso que eu gosto das redes sociais sem elas ficaria mais difícil o povo saber disto.
Parabéns Roberto Almeida pela brilhante reportagem.
Também parabenizo o Roberto Almeida! Não por essa postagem acima... Mas, pelo conteúdo do blogue dele! - 2. Como eu disse outro dia, é único blogue que leio, diariamente!
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