Audálio Machado*
De adversários
históricos a aliados desde o início do século XX, França e Reino Unido passaram
por processos eleitorais este ano para escolha dos seus líderes nacionais e representantes
populares. Em um período cercado por grandes dilemas diplomáticos e forte
tensão internacional, o mundo se voltou para as votações nos dois países, que
são importantíssimos para os rumos da União Europeia (UE) e da questão
migratória na Europa. Porém, os resultados das eleições nessas potências
europeias apontaram diferenças bastante relevantes em algumas áreas centrais da
política atual.
Antes do tema
principal deste texto, é preciso explicar como são os sistemas eleitorais e as
formas de governo destas nações. O Reino Unido, formado pela Inglaterra,
Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte é uma Monarquia Parlamentarista,
então, o país é governado por um primeiro-ministro e um rei ou uma rainha que
tem atribuições diplomáticas, mas pouco poder político. O sistema britânico é o
caso clássico de parlamentarismo,
onde o Parlamento eleito a cada cinco anos pela população escolhe o
primeiro-ministro do partido ou coalizão que obteve mais vagas nas eleições. O
método de escolha se dá pelo voto distrital, ou seja, um representante é
escolhido em cada um dos 650 distritos do país. A fórmula é simples: quem tiver
mais votos na localidade leva o cargo. Se um partido obtiver mais da metade das
cadeiras escolherá o primeiro-ministro sem precisar formar alianças. Desse
modo, podemos perceber que a escolha do chefe de governo inglês é indireta, sem
participação popular.
O caso francês é
diferente: há eleições separadas para a escolha do presidente e dos
parlamentares, que também ocorrem de cinco em cinco anos. Na França, existe uma
forma de governo que é conhecida como semipresidencialismo,
onde o presidente normalmente é o governante e administrador ativo, e o
primeiro-ministro é o Chefe de Estado – em raros casos, ocorreu o oposto. As
eleições legislativas francesas ocorrem usualmente um mês depois das
presidenciais e têm como objetivo preencherem as 577 vagas da Assembleia
Nacional. O sistema eleitoral utilizado é relativamente raro, os votos são
distritais, assim como no Reino Unido, mas pode haver segundo turno para
escolha dos deputados. Se um candidato não ultrapassar os 50% dos votos
válidos, haverá a segunda votação uma semana depois entre os dois concorrentes
mais votados anteriormente. *
Afora as
diferenças institucionais entre os países, os processos eleitorais de 2017
foram marcantes pelos contrastes presentes nos contextos políticos e na
Política Externa de França e Reino Unido, mesmo passando pela crise migratória
e a constante preocupação ocasionada pelos grupos terroristas. Em primeiro
lugar, a atual primeira-ministra britânica Theresa May é uma forte apoiadora do
Brexit – a saída do Reino Unido da União Europeia, aprovada em referendo há um
ano atrás -, e assumiu o cargo do antigo Premier James Cameron, que renunciou
devido ao grande desgaste após a aprovação da retirada do país da UE. Em
direção oposta, Emmanuel Macron, eleito em maio deste ano, apontou que a União
Europeia seria uma prioridade em seu governo, pois uma Europa fortalecida seria
primordial nestes tempos difíceis. O novo presidente francês também destacou a
importância econômica do bloco de integração regional.
Sobre a questão
migratória, os governantes também demonstram algumas diferenças importantes,
ainda que os dois países sejam os mais afetados por ataques terroristas
ultimamente. May prega um controle mais rígido da entrada de imigrantes e
emissão de vistos, pretendendo limitar a 100 mil novos imigrantes por ano e
taxar em duas mil libras anuais cada empregado
estrangeiro de fora da União Europeia. Macron é a favor de um melhor controle e
análise de antecedentes dos imigrantes, no entanto, já apontou na sua campanha
que pretende implementar programas sociais para ajudar jovens exilados,
descendentes de imigrantes e estudantes estrangeiros que vivem nas periferias
das grandes cidades. Este grupo de risco teria direito a políticas afirmativas
e cotas.
Tratando
dos candidatos em si, os perfis também apontam dissemelhanças marcantes. May
tem uma longa carreira política, sendo eleita pela primeira vez ao Parlamento
em 1997 pelo Partido Conservador, do qual faz parte até hoje. Antes de se
tornar primeira-ministra em 2016, foi Secretaria de Estado e Ministra das
Mulheres e Igualdade. Emmanuel Macron tem apenas 39 anos, já foi funcionário
público e banqueiro e fez parte do governo do seu antecessor, François
Hollande, como Secretário Adjunto da Presidência e Ministro da Economia, Indústria e Assuntos
Digitais. No ano passado fundou o partido La République en Marche! (A República
em Marcha!), pretendendo revolucionar a política francesa e renovar a elite política
do país, e se desligou do governo para planejar sua candidatura à presidência.
Pouco conhecido no início, Macron foi crescendo em popularidade e derrotou
Marine Le Pen – candidata com a maioria de suas propostas opostas as do
candidato eleito - no segundo turno.
Os dois
contextos políticos internos chamam a atenção. Enquanto a vitória de Macron
acalmou a União Europeia e parece trazer maior estabilidade a França, Theresa
May, pressionada por forte oposição contra a saída da UE e pelo aumento dos ataques
terroristas no Reino Unido, convocou novas eleições, que deveriam ocorrer
apenas em 2020, buscando fortalecer sua força no Parlamento nas vésperas da
negociação de saída do bloco europeu. Esta estratégia acabou não dando muito
certo, e nas eleições do último dia 8 de junho, o Partido Conservador acabou
perdendo vagas e viu o crescimento do Partido Trabalhista, principal opositor.
Agora, May será forçada a se unir a outro partido para conseguir mais de 50%
das cadeiras da Casa Legislativa. O Partido Unionista Democrático, da Irlanda
do Norte, que conseguiu eleger 10 parlamentares, é o favorito dos Conservadores
para essa aliança.
Por fim, o
partido do novo presidente francês está com fortes chances de ganhar mais de
400 vagas das 577 da Assembleia Nacional. As eleições que começaram 11 de junho
e terminam dia 18, mostraram a força de Macron e a queda dos tradicionais
partidos do país, Os Republicanos e o Partido Socialista. Após todos esses
contrastes entre a realidade política e institucional dos dois países europeus,
nos resta acompanhar o prosseguimento das ações dos dois governos e esperar que
a aliança entre França e Reino Unido perdure. Na última terça-feira, 13, Macron
e May se encontraram em Paris para assistirem o amistoso de futebol entre França
e Inglaterra, no qual foram feitas homenagens às vítimas dos atentados de
Manchester e Londres. O encontro entre os governantes destas importantes nações
foi pautado por um discurso de união e combate ao terrorismo, e espera-se que
essas relações amigáveis continuem no longo prazo.
* Os dois países
possuem Câmaras Altas (Senados). A britânica se chama House of Lords (Câmara
dos Lordes), na qual os membros não são eleitos por voto popular. Atualmente,
760 lordes fazem parte desta Casa. Na França, o Senado é composto por 348
parlamentares escolhidos indiretamente por conselheiros locais e prefeitos. As
duas Câmaras não foram consideradas na explicação acima pois possuem muito
pouco poder e influência em comparação às outras instituições citadas.
**Audálio José
Pontes Machado, é Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE)
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