Por Samuel Salgado*
A
repressão política teve início em abril de 1964 com o golpe militar,
tornando-se mais evidente após a edição do Ato Institucional n° 5, em 1968, ao
suprimir os direitos de cidadania, dando poderes totalitários ao Sistema que
governava o país.
Nessa
época um simples simpatizante do socialismo era chamado de subversivo. Foi uma
época de prisões, torturas e mortes. Muitas vezes, prenderam as mulheres,
filhos e até parentes dos “suspeitos”, mesmo que fossem alheios às supostas
atividades dos acusados, obrigando, assim, o indiciado a confessar seus
supostos delitos ou delatar outras pessoas.
Impuseram
o silêncio de toda e qualquer forma, objetivando prevalecer seus interesses.
Tempos
de muito sofrimento e angústia. Não há exagero no que estou relatando. Nenhum.
Tudo
isso representa a expressão da realidade daquele período sombrio. Tudo era
repressão. Ausência total de liberdade.
Até
hoje muitas mortes não foram esclarecidas e sequer sabe-se onde estão os seus
corpos.
Nos
anos 60 e 70 a desesperança tomou conta de todos e principalmente da juventude
brasileira.
Lembrar
isso é até uma forma de gratidão àqueles que se foram em nome dos nossos
sonhos.
A
verdade do que aconteceu só começou a aparecer após a extinção do AI-5, em
janeiro de 1979. Daí por diante, tomamos conhecimento de parte da intensidade e
do horror vivido nos "anos de chumbo".
Princípio
dos anos 80...
O
País estava mudando. Ainda governado pelos militares, mas já sob a influência
de forte pressão popular, a nação caminhava a passos largos em busca de um novo
estado democrático.
Alguns
exilados políticos receberam anistia e foi restabelecido o pluripartidarismo
com a criação de novos partidos (PDS, PMDB, PT) e a volta de outros (PTB e
PCB), extinguindo-se a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB (Movimento
Democrático Brasileiro).
Para
muitos, essa reforma constituiu-se em mais uma manobra dos militares tentando
dividir a oposição que se tornara cada vez mais forte.
Nesse
contexto, foram realizadas as eleições de 1982.
Na
verdade, deveria ter ocorrido em 1980, porém o governo identificando que O
PMDB, sucedâneo do MDB era frágil no Norte, Nordeste e Centro-Oeste e no
intuito de beneficiar seus candidatos, prorrogou os mandatos dos Prefeitos por
dois anos para que a eleição municipal coincidisse com a estadual.
Desde
o ano de 1962, que não se votava em Governador.
Esta
eleição foi recheada de algumas particularidades.
Era
a primeira em que o eleitor votava em Governador, Senador, Deputado Federal,
Deputado estadual, Prefeito e Vereador.
Além
disso, houve a verticalização eleitoral através do voto vinculado, ou seja, o
eleitor era obrigado a votar em candidatos do mesmo partido para todos os
cargos.
Note-se,
ainda, que os partidos podiam indicar até três candidatos por legenda. Tudo
isso se constituía numa verdadeira estratégia política visando sua permanência
no poder.
Angelim,
1982...
Já
se vão 34 anos e parece que foi ontem...
Debruço-me
sobre o passado e seleciono o que de mais significativo aconteceu naquele ano
marcado por uma disputa municipal acirrada e tensa. Duas candidaturas a foram
postas. De um lado, o candidato do Partido Democrático Social (PDS), João da
Costa, pertencente ao grupo que estava no poder a mais de 20 anos.
Do
outro lado, os oposicionistas, angustiados com os desmandos administrativos e
entusiasmados por uma proposta de mudança capaz de romper com este ciclo,
defendida, principalmente, pela participação direta e espontânea da juventude e
dos segmentos mais pobres da população, representados por mim (Samuel Salgado),
jovem professor de apenas 32 anos, filiado ao Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB).
No
sentimento do povo era imperativa a substituição da arrogância e da soberba na
relação com suas entidades representativas, assim como a necessidade de uma
política de valorização da qualidade dos serviços públicos que pudessem gerar
oportunidades concretas dando materialidade aos seus sonhos.
Minha
candidatura ganhou as ruas e os sítios.
Fizemos
uma campanha simples e quase sem recursos financeiros.
Foi
uma campanha bonita que sensibilizou, encantou e emocionou o povo.
As
concentrações populares, além de alegrarem e movimentarem as manhãs das
quartas-feiras (dia de feira), as noites dos sábados e tardes dos domingos,
cada vez mais, impressionavam pelo entusiasmo e pela multidão de participantes.
Lembro
que no comício de encerramento na Praça São José, centro da cidade, a emoção
tomou conta de mim e a multidão foi ao delírio quando afirmei que por onde eu
passava, as pessoas diziam: “voto em você, não apenas por ser o melhor
candidato, mas, também, por ser filho de um homem chamado Deoclécio
Cavalcanti”.
Ganhamos
as eleições em todas as urnas.
Foi
uma vitória com as cores e a alegria da luta pela dignidade de um povo.
Para
se ter uma ideia do rolo compressor que representava o poder do PDS, desde o
Agreste até o Sertão, só Angelim, Caruaru e Itapetim elegeram Prefeitos do
PMDB.
O
moleque, como eu era chamado, virou Prefeito, tendo como Vice-Prefeito Josemir
Miranda. Dois jovens que a exemplo dos Vereadores eleitos João Ferreira, João
Marcos, Zé Sátiro, Paulo Rodrigues, Zé Lira e o primeiro suplente Paulo Nunes
nunca tinham disputado eleição. A responsabilidade era, portanto, muito grande.
No
primeiro mês de administração, Paulo Nunes assumiu o mandato com a ida de João
Marcos para Secretaria de Administração.
Há
34 anos, no imaginário coletivo está guardado o gesto que entrou para a
história do município quando Zaqueu e Naná arrancaram a porta do Gabinete do
Prefeito, numa demonstração de que aquela era uma conquista da luta de muita
gente.
Falar
desta grande conquista dos angelinenses é falar com emoção de um tempo de
alegria daqueles que foram às ruas e aos sítios defenderem mudanças.
Rostos
conhecidos como os de Luiz das Quatro Bocas, Samuel Paulo, Rui Cavalcanti, Zé
Possidônio, Gilva, Zefinha de Manoel Delmiro, Maria Beliza, Celina do Poço do
Boi, Eriberto Ricardo, Tino, Pedro Carlos, Nando de Alfredo Fumeiro, Marcos
Siqueira, Zé Tito, Naná, João de Chico, João Siqueira, Vavá Inácio, Zé Inácio e
Manoel de Eduardo (Mané Farrista), ao lado de outros rostos anônimos, tinham em
comum o sentimento político tecido pelo fio da coragem e ousadia, capazes de
transformarem a vida do povo.
Valeram
muito todos os desafios que enfrentamos em busca dos sonhos de muita gente.
Com
aquela conquista a cidade começou a se transformar. Desde então, Angelim não
foi mais a mesma.
*Samuel Salgado foi prefeito de Angelim por três mandatos.