Fui internado no Hospital da Restauração no dia primeiro de junho deste
ano, uma segunda-feira. Lembro bem que o atendimento foi feito por uma
médica-residente, uma mulher jovem, loira, com um jeito meio tímido e inseguro, que se chamava Rita.
Preenchida uma papelada que a moça me passou, fui conduzido pelo corredor
do 5º andar até a enfermaria 505, localizada já próximo do final, bem pertinho
de onde ficavam dois policiais militares responsáveis pela segurança daquela
parte do HR.
Demorou um pouco para que me instalassem numa cama, pois o paciente de alta
devia estar esperando o transporte, certamente ansioso por poder se livrar de vez da angústia
entre aquelas paredes, cedendo a vez ao próximo necessitado de tratamento
médico.
Todo o 5º andar do Restauração é dedicado à neurocirurgia, com salas
para os médicos que chefiam o setor, enfermarias para pacientes do sexo
feminino e outras destinadas aos homens. Mas o acompanhante de um senhor pode
ser sua esposa ou filha e de uma senhora pode ser o marido ou irmão.
Fiquei numa enfermaria com oito leitos, quase sempre todos ocupados. Às vezes até se botava uma cama extra.
Logo fui me familiarizando com o ambiente, conhecendo as pessoas, embora
ficasse a maior parte do tempo deitado, já que estava fraco devido ao avanço da
doença.
A sala em que todos estávamos acomodados, ampla, não poderia ser
considerada ruim, apesar de não ter um chão brilhantemente impecável quanto dos
melhores hospitais particulares.
Um único banheiro, para oito pacientes e oito acompanhantes, mais as
visitas, era o mais desagradável no hospital e quando algum dos doentes tinha
um problema intestinal podia virar um caso muito sério.
Os auxiliares de serviço geral, porém, vinham várias vezes por dia e
faziam o possível para deixar o sanitário em condições aceitáveis.
No Hospital da Restauração os profissionais de saúde parecem brotar do
chão de tantos que aparecem. A todo momento uma enfermeira ou uma auxiliar
passa dando uma checada nos pacientes. Fazem anotações, tiram sangue, medem a
pressão ou enfiam goela abaixo algum remédio prescrito pelo médico.
Uma das primeiras amizades que fiz no hospital foi com uma morena bonita
e simpática conhecida apenas por Maria. Ela estava na enfermaria 505 como
acompanhante do seu filho, um garoto na faixa dos 15 anos.
Maria gostava muito de conversar, contar seu drama de vida e adorava
usar short curso para mostrar um belo par de coxas. É a vida: mesmo num hospital
a mulher conserva a vaidade e tem prazer em exibir o que tem de bonito.
Ela foi legal tanto comigo quanto com minha mulher e acompanhante,
Tereza, e revelou que morava em Porto de Galinhas.
Antes de ter alta nos convidou para visitá-la em sua residência, quando
também estivéssemos livres do HR.
Dos pacientes do setor de neurologia, a maioria dava entrada no
Restauração por conta de tiro na cabeça. Lembro que uma ocasião, acho
que já fazia mais de um mês internado, contei oito leitos ocupados e quatro
dos doentes tinham levado uma bala na cabeça, ou seja 50% dos que estavam na
enfermaria tinham sido vítimas da violência urbana, pegos durante um assalto ou
por um ato de vingança.
Mundo cão o do Grande Recife, pior ainda do que aqui em Garanhuns e nas
cidades em volta.
Apesar de ter bons médicos e todo tipo de equipamento para exame e
cirurgias, a clientela do Hospital da Restauração é formada basicamente por
pessoas de classe média baixa e pobres. Os ricos procuram o Português, o
Memorial São José ou o Santa Joana, mesmo correndo mais risco de infecção
hospitalar.
Assim, o meu universo, durante a hospedagem no grande hospital da
capital era a periferia da área metropolitana. Aparecia uma ou outra pessoa de
cidades do interior, como Garanhuns, Belo Jardim, Serra Talhada ou Carpina, mas
principalmente pacientes de algum bairro do Recife, gente do Cabo de Santo
Agostinho, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe, Olinda, Igarassu, Paulista,
Itapissuma...
Depois
da simpática Maria, eu e Terezinha fizemos amizade com Joselma e seu filho Emerson,
ambos da Assembleia de Deus. Duas pessoas maravilhosas que durante todo o tempo
em que ficaram na enfermaria se desdobraram ajudando os “companheiros de
jornada”, sem distinção de idade, cor ou mesmo religião.
“Irmã
Joselma”, como a chamávamos era uma evangélica discreta, que evitava
estardalhaços e proselitismos, mas demonstrava muita segurança em sua fé. Em
algumas noites, percebendo que eu estava muito angustiado e com dificuldades
para dormir, ficou ao lado do meu leito e leu trechos da bíblia para me
acalmar. Algumas vezes peguei no sono ouvindo a leitura de algum salmo.
Mais
ainda de que a mãe, Emerson era “pau pra toda obra”. Ajudava um doente a ir
para o banheiro, servia a comida de outro, substituía sem problemas um
acompanhante que precisava se ausentar e dava um jeito no celular de qualquer
um com dificuldade diante das novas tecnologias.
Irmã
Joselma e seu filho moram na zona rural de Gravatá e o paciente era o menino,
prestes a completar 18 anos e vítima de um acidente besta com moto. Não era
nenhum boyzinho, não corria muito ou dava "cavalo de pau", não bebia, mas fato é
que caiu do veículo de duas rodas e em consequência teve um AVC.
O
resultado é que perdeu a visão direita e provavelmente não vai mais
recuperá-la. Teve alta com esse prognóstico dos médicos: a de que não mais
voltaria a enxergar com o olho direito.
Um
rapaz novo, cheio de vida, com um coração dez vezes maior do que o HR e naquela
situação. Mesmo assim nunca fez uma cara triste, nunca perdeu o bom humor e
sempre esteve disposto a ajudar o semelhante.
Depois
que também tive alta e já estava em casa, em Garanhuns, recebi um telefonema de Emerson e sua mãe. Queriam saber como eu estava, se tinha corrido tudo bem com
minha cirurgia, perguntaram por Terezinha e meu filho Tiago, conversaram como
se fossem amigos de longa data ou pessoas da família.
Seres
humanos como Irmã Joselma e Emerson são raros. Pessoas do bem, difíceis de
esquecer e que tive a felicidade de conhecer por conta de uma enfermidade
delicada, da qual ainda não estou totalmente livre, pois mesmo tendo sucesso na
minha cirurgia ainda vou precisar de um tratamento complementar por
radioterapia.
Nem
todos tinham a mesma índole desses dois evangélicos, na enfermaria 505, mas
nós pacientes estávamos no mesmo “barco”, precisando de apoio uns dos outros. E
solidariedade nunca nos faltou nos dias em que vivemos naquele hospital do
Recife.
Nos
próximos relatos o leitor irá conhecer outros tipos com quem convivemos (eu e
Terezinha) e ser informado de alguns procedimentos médicos dolorosos tomados no
tratamento deste escriba.
Roberto Almeida, estive acompanhando a situação, através do seu blog.fiquei muito feliz quando soube do sucesso de sua cirurgia. A gente não se conhece, eu o acompanho nas redes sociais, mas pode ter a certeza que sempre estive na torcida por sua recuperação. Eu sou enfermeira e sei o quão é diferente a realidade de quem passa na frente do HR e de quem está lá dentro. Obrigada pela oportunidade de reflexão com os seus relatos.já estamos aguardando o próximo.parabéns. deus o proteja por todo sempre.um abraço de toda minha família (Cleide)
ResponderExcluirObrigado pelas suas palavras. Forte abraço, Feliz Ano Novo para você e família.
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