Do Professor Heitor Scalambrini Costa, da Universidade Federal de Pernambuco e integrante
do Fórum Suape Espaço Socioambiental:
A ideia de construir um porto que
impulsionasse o crescimento econômico de Pernambuco já tem mais de 50 anos. Foi
durante a década de 1960, durante o governo de Nilo Coelho (1967-1971), que se
iniciaram as primeiras sondagens para a viabilização desse projeto.
No governo de Eraldo Gueiros, em 1974, foi
lançada a Pedra Fundamental do Porto de Suape. No entanto, apenas em 1978, já
durante o governo de Moura Cavalcanti (1975-1979), através da Lei no
7.763/78, foi criada a empresa Suape Complexo Industrial e Portuário (CIPS),
para administrar o distrito industrial, o desenvolvimento das obras e a
implantação e exploração das atividades portuárias. Portanto, em novembro de
2014, o CIPS completou 36 anos de uma triste história.
Não houve nenhuma comemoração ou lembrança
específica desta data por parte do governo do Estado, cuja empresa pública de
economia mista gerencia o Complexo de Suape, exceto por um informe publicitário
ufanista em um dos jornais pernambucanos, enaltecendo as realizações e fazendo
autoelogios, destacando os aspectos econômicos e o numero e diversidade de
empresas que se agregaram à sua área industrial-portuária.
Com certeza este não é momento de se
festejar. Por uma única razão, o empreendimento que foi mostrado como redentor
da economia pernambucana, “a joia da coroa”, também chamado de “Eldorado”, está
hoje presente nas páginas policiais da mídia nacional, pela corrupção
comprovada na construção da Refinaria do Nordeste (RNEST), e pelos
desdobramentos dos conflitos sociais e trabalhistas gerados com a
desmobilização de mais de 40.000 trabalhadores, entre 2014 e 2016.
Para a implantação das empresas no Complexo
houve a expulsão de comunidades inteiras de moradores que residiam naquele
local há décadas, sem que uma alternativa adequada de moradia lhes fosse
oferecida. Houve também uma devastação ambiental nunca vista no Estado em tão
pouco tempo. Para as pessoas diretamente atingidas, invés do progresso tão
propalado pela propaganda oficial, a empresa Suape só tem deixado ônus.
Não é de hoje as críticas a este modelo
concentrador e predador de desenvolvimento, encampadas pelo Fórum Suape Espaço
Socioambiental (www.forumsuape.ning.com)
e pelas organizações e pessoas físicas que o compõem. Suape foi, desde o seu
início, objeto de polêmicas delimitadoras de fronteiras políticas. Como
exemplo, em abril de 1975, economistas, sociólogos, ecologistas, historiadores
e geógrafos publicaram um manifesto contra o projeto do Porto de Suape, chamado
pela imprensa como o “Manifesto dos Cientistas”, idealizado pelo
economista-ecólogo Clovis Cavalcanti, também primeiro signatário do referido
manifesto. Cabe destacar o caráter revolucionário e atual do manifesto, que
tinha o objetivo de denunciar os impactos sociais e ambientais do
empreendimento.
Expansão sem planejamento, crescimento
econômico baseado em um “modelo predador”, não inclusivo, com devastação
ambiental, com indústrias sujas, continua sendo a marca do complexo de Suape. A
atração por indústrias altamente agressoras ao meio ambiente, aliado a perdas e
injustiças cometidas (prejuízos, danos físicos e morais, expulsões,
expropriações, privações, desgraças, destruições de vidas e de bens), muitas
delas permanentes e irreversíveis, enseja uma ampla discussão sobre que tipo de
desenvolvimento que queremos.
Afinal, por mais que a propaganda oficial
tente esconder, nos 13.500 ha de área circunscrita do Complexo de Suape
habitavam mais de 15.000 famílias nativas, que foram tratadas como “invasoras”,
sendo a maioria expulsa com truculência dos seus lares, dos sítios onde viviam
muito antes das indústrias chegarem por aquelas bandas.
Direitos foram negados. Promessas não foram
cumpridas. Indenizações (quando pagas) foram desprezíveis diante da
impressionante valorização das terras (atualmente, em média, um ha vale em
torno de um milhão de reais).
Mas não foram atingidas somente as
populações nativas (pescadores, agricultores familiares, trabalhadores). Os
moradores das cidades do entorno do Complexo sofrem as conseqüências
decorrentes da falta de planejamento daquele empreendimento. Problemas com
transporte, saúde, aumento da violência e do uso das drogas, gravidez precoce
de meninas e adolescentes, carência de saneamento e moradia são algumas das
mazelas com as quais convivem os habitantes desses municípios. Enquanto isso,
as prometidas melhorias das condições de vida ainda estão no campo das
promessas, conforme atestam os indicadores locais de desenvolvimento humano. O
crescimento dos indicadores econômicos ocorreu, mas foi insuficiente, e não se
refletiu em desenvolvimento sustentável da região.
Já passou do tempo de utilizar a estratégia
de somente contar vantagens sobre este empreendimento, e impedir a discussão
crítica do modelo adotado, impondo esse modelo, pela força, como opção única.
É inadmissível fechar os olhos para a grande
devastação ambiental causada com a derrubada de florestas, o soterramento de
manguezais – necessários para manter a vida de muitas espécies – e a poluição
de rios e riachos, que permitiam a manutenção do modo de vida de populações
inteiras. Além dos trágicos e graves problemas sociais induzidos por uma
estratégia que deve ser revista – faz tempo!
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